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Marx, o século XXI e o sertão

Karl Marx nasceu em 1818. É um dos pensadores que ajudou a desenvolver o pensamento moderno. Marx é lido em Economia, Filosofia, Sociologia, Geografia, mas também ocorre que autores de diversas outras áreas mais distantes dialogam com seu pensamento, como Erich Fromm (Psicologia), Paulo Freire (Pedagogia), Eric Hobsbawm (História), Slavoj Žižek (Filosofia), Oscar Niemeyer (Arquitetura), Celso Furtado (economia), Milton Santos (Geografia) e poderíamos nos estender entre outras áreas e autores sem grande dificuldade.

Vivemos um momento em que sua teoria, ou a que foi por ele iniciada, é constantemente debatida no Brasil, mormente sem o devido conhecimento das bases em que se assenta sua obra. Na maioria das vezes por aqueles que o atacam, mas também por alguns que o defendem com leituras apressadas e superficiais. Certamente não há escritor mais vítima de chavões, simplificações e mesmo erros na avaliação de suas formulações teóricas. E a academia tem como um de seus papéis o fortalecimento do conhecimento e debate profundos, substituindo o espaço da caricatura pelo da reflexão criteriosa.

Talvez um fator derivado da pressa em pensar Marx seja a moldura que a universidade o coloca: século XIX, Europa. De fato, não há nada feito, seja uma obra de sociologia ou qual corte de cabelo escolher, que não tenha uma relação com seu tempo, seu espaço. Marx é, também, fruto do século XIX com todas suas potencialidades e limites. Disso muito já se falou e não há necessidade aqui de mais delongas.

O que ocorre, porém, é que a academia, no afã pós -moderno, confunde Marx com o marxismo. Ou seja, parte de uma lógica correta de evitar o anacronismo, mas é justamente isso que fazem: colocam produções do século XXI de marxistas como se viessem direto do século XIX através de uma máquina do tempo. Marx desenvolveu um método e é dele que partem muitos que o sucederam. Para completar o quadro, muitos marxistas se fecham ao profícuo e necessário debate com autores não marxistas, transmitindo, ao seu modo, a ideia de que o marxismo é uma seita intocável de pesquisadores que não sabem a importância das questões de gênero, sexualidade, etnia etc.

Os homens e mulheres que leem Marx hoje já o fazem com os olhos do presente, já aplicam, desde a leitura, as problemáticas contemporâneas e com elas modificam Marx, o trazem, até inconscientemente, ao século XXI. Nada é estático.

O mesmo se aplica aos estudos locais. O fetiche dos pesquisadores é a descoberta do local, o isolamento do objeto muitas vezes não fica distante quando se leva isso ao extremo. A realidade é aprisionada numa gaiola de idiossincrasias descobertas (ou fabricadas), mesmo em um mundo interligado cada vez mais desde as Grandes Navegações.

O sertão muitas vezes transmite essa mensagem, afastada de Marx, do marxismo, da luta de classes. Qual a moeda usada em Caicó? É diferente da moeda usada em São Paulo? O efeito das práticas neoliberais em Currais Novos difere dos efeitos que estão chegando hoje na Argentina e já se manifestaram na Grécia? Para além do estritamente econômico, o Seridó não é um espaço religioso, assim como a Itália ou Espanha? Não vemos bonés dos EUA e tênis da Nike sendo vendidos no Mercado Público de Caicó, assim como carne de sol e queijo de qualho? A realidade não é uniforme e os locais têm suas identidades, mas são identidades dialeticamente construídas (só fazem sentido na totalidade), ou seja, uma almágama de determinantes culturais, sociais, econômicos de dimensões variadas, local, regional e mundial. O sertão não é uma ilha.  

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